sexta-feira, 16 de maio de 2008

..No ano que Dominguinhos comemora 50 anos de carreira e é homenageado dos festejos juninos no Nordeste...Em pleno século XXI...
É muito triste.
Eu sinto muito ter lido a reportagem abaixo.
Infelizmente existe uma maioria que se denomina "músico" na linguagem nordestina(se for isso mesmo eu não me enquadro na classe).

Observo as indicações para os prêmios de música há alguns anos...

A categoria musical a que me refiro, vem há muito tempo sem representatividade relevante para a renovação em indicações verdadeiramente falando.
Nada pessoal, mas a música nordestina, como qualquer outro segmento regionalista nesse imenso e continental país,
tem catacterísticas iguais ao samba(cito pela popularidade)...e que eu saiba, no samba tem-se uma ordem de respeito...
"branco" tá fora...
A partir de hoje vou procurar um adjetivo pra usar para o segmento nordestino também.

Enfim...
Pra variar a "pejela" continua.
O valor intelectual e cultural da música nordestina está indo pro lixo.
É inaceitável.

Abç,
Adryana BB




A música dos valores perdidos

Publicado em 06.05.2008, às 08h47 pelo jornalista José Telles

'Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!'. A maioria, as moças, levanta a mão.

Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da
banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são 'gaia',
'cabaré', e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste
(mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista
teria dificuldades em deixar a cidade.

O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa
aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhando uma música da banda
Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto.
Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de 'forró', e
Ariano exclamou: 'Eita que é pior do que eu pensava'. Do que ele, e
muito mais gente jamais imaginou.

Pruma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas
bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque
este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a
dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com
Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró
Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia
Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do
Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de
ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada),
Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma
sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do
forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta 'desculhambação' não é culpa exatamente das
bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte
delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que
investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o
turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia,
quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas,
em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo
folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As
estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das
bandas de 'forró', parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam
muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista
ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos
alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o
regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e
relevou o primitivismo estético,. Pior, o glamur, a facilidade
estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos
políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia,
que, por sua vez, dominava o governo.

A cantora Ceca foi uma espécie de Ivete Sangalo do turbo folk (ainda
está na estada, porém com menor sucesso). Foram comprados 100 mil
vídeos do seu casamento com Arkan, mafioso e líder de grupo
para-militares na Croácia e Bósnia. Arkan foi assassinado em 2000.
Ceca presa em 2003. Ela não foi a única envolvida com a polícia,
depois da queda de Milosevic, muitos dos ídolos do turbo folk
envolveram-se com a justa pelo envolvimento com a poderosa máfia de
Belgrado.

A temática da turbo folk era sexo, nacionalismo e drogas. Lukas, o
maior ídolo masculino do turbo folk pregava em sua música o uso da
cocaína. Um dos seus maiores hits chama-se White (a cor do pó, se é
que alguém ignora), e ele, segundo o Guardian, costumava afirmar: 'Se
cocaína é uma droga, pode me chamar de viciado'. Esteticamente, além
da pouca roupa, a sanfona é o instrumento que se destaca tanto no
turbo folk quanto no chamado forró eletrônico, instrumento decorativo,
ali muito mais para lembrar das raízes da música tradicional.
Ressaltando-se que não se tem notícia de ligação entre bandas de
'forró' e crime organizado. No que elas são iguaizinhas é que
proliferaram em meio a débâcle de valores estéticos, morais, e éticos,
e despolitização da juventude. Com a volta da governabilidade nas
repúblicas da antiga Iugoslávia, o turbo folk perdeu a força, vende
ainda porém muito menos do que no passado, hoje é apenas uma música
popular para se dançar, e não a trilha sonora de um regime condenado
por, entre outras lástimas, genocídio.

Aqui o que se autodenomina 'forró estilizado' continua de vento em
popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos
do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno
lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma
banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade,
com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas)
pergunta se tem 'rapariga na platéia', alguma coisa está fora de
ordem. Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma
transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é 'É
vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!', alguma coisa está
muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por
tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns
poucos anos.

JOSÉ TELES é crítico musical do Jornal do Commercio- Recife/PE

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