quinta-feira, 4 de março de 2010

Artistas famosos e o incentivo fiscal (Por Antoine Kolokathis* )

A imprensa divulgou no final de fevereiro que a cantora Mallu Magalhães recebeu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 778 mil via lei Rouanet, para fazer a turnê do seu segundo CD. Segundo o que saiu na imprensa, a artista teria recorrido ao MinC porque os shows “terão ingressos a preços populares”. Apesar de ter sido revelada pela internet e ter gravado seu primeiro CD num selo independente, Mallu Magalhães hoje é artista da Sony Music. E muito se perguntou na internet: ela realmente precisaria dessa força do governo?
Não é novidade ter polêmicas sobre o uso da lei Rouanet por artistas famosos que, em tese, têm público garantido e não precisariam de incentivo fiscal para produzir seus projetos.

Recentemente, por exemplo, a revista Bravo reproduziu uma entrevista com a cantora Maria Bethânia dizendo – quando questionada sobre as críticas que sofreu por recorrer à lei Rouanet para custear alguns de seus espetáculos – que “a lei deve acolher gregos e
troianos”: “O ministério avaliza os projetos e cada artista sai à caça de patrocinador, como manda o figurino. Qual é o drama? Por que tanta chateação?”, disse a cantora, na entrevista. Bethânia e seu irmão famoso, por exemplos, tiveram recentemente projetos inicialmente indeferidos pela CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) – órgão do governo federal que avalia e aprova os projetos que podem captar.

Alguns críticos desavisados não concordam com a cantora. Alegam que artistas famosos não precisam de incentivo à cultura para produzir seus espetáculos.
É um erro.
A lei tem de ser igual perante todos – e a lei Rouanet não pode julgar méritos. Portanto, projeto de cantores famosos também tem de ser aprovados pelo governo.

Em primeiro lugar, é sempre bom lembrar que cantores de música popular – como Mallu Magalhães, Bethânia e Caetano – enquadram-se somente no artigo 26 da lei Rouanet. E assim não têm o benefício dos 100%, que no caso de música só se aplica à música erudita e
instrumental. Música popular cantata tem somente 30% de incentivo fiscal.

Ou seja, uma parte do recurso investido pela empresa em projetos assim não será incentivada.
Além disso, há outros expedientes que o Governo pode adotar para estabelecer critérios justos, sem precisar negar o incentivo a esses artistas.
A CNIC pode, por exemplo, limitar valores de captação para artistas famosos. Aliás, existe uma regra na lei Rouanet que diz que um cachê não pode ser superior a 30 mil reais.

O governo também pode, nesses casos, limitar, por exemplo, o preço do ingresso. Pode determinar que uma porcentagem de ingressos tenha destinação gratuita para públicos específicos – como, aliás, prometeu a cantora Malu Magalhões.

Em suma, artistas famosos como Bethânia e outros podem sim senhor se beneficiar do incentivo à cultura. Mas com critérios.
O problema é que num passado recente houve distorções.
Já teve cantor de música popular, por exemplo, que conseguiu aprovar seu projeto no artigo 18, obtendo assim 100% de incentivo, o que seria impossível, pois música popular cantada não pode ser enquadrada nesse artigo.
Como se conseguiu isso? Num “malabarismo” de enquadrar o projeto, que na verdade era de um show de música popular cantada, como “Gravação de DVD” ou “Apresentação com uma orquestra”, podendo assim se enquadrar em “Produção Audiovisual” ou “Música Erudita” e
obter os 100%.

Felizmente, já houve uma boa reação do governo para corrigir essas distorções, e hoje todo projeto direcionado como audiovisual para a lei Rouanet tem seu conteúdo avaliado para se certificar que é realmente um projeto de audiovisual e não outra coisa travestida.
Mas não se pode cometer injustiças.

Outro fato notório que ficou polêmico foi a primeira turnê do Cirque du Soleil no Brasil, pois os ingressos eram muito caros. E aí o Ministério da Cultura vetou o incentivo para a segunda
edição – assim como vetou o incentivo ao musical da Broadway Miss Saigon.

Talvez tenha sido uma injustiça fruto da ideologia. É de se pensar que a produção de espetáculo assim é caríssima. Manter uma trupe de um show assim é caríssimo.

“Sem patrocínio, amargaríamos prejuízo caso quiséssemos manter o alto nível dos shows. E, sem a lei, não conseguiríamos patrocínio nenhum”
,
justificou Maria Bethânia na entrevista à Bravo.

Deveria haver então bom senso e observância à lei.

Aprovar tais projetos sim, pois só quem já produziu cultura no Brasil sabe o quanto isso é caro e o quanto é difícil, como explicou Bethânia, bancar toda uma produção apenas com o
ingresso.

Se a lei pode ajudar, ela deve ser concedida também aos famosos, mas com critérios, já que eles, os famosos, têm certas vantagens inegáveis frente a grande maioria dos artistas anônimos que, esses sim, precisam dos 100% de incentivo.
Esses critérios seriam: limite de valores – tanto do projeto quanto do ingresso – e exigências de contrapartidas sociais: ingressos mais baratos, espetáculos exclusivos para públicos de baixa renda etc.
Em resumo, uma lei que nasceu para apoiar a produção cultural não pode exercer discriminação justamente contra quem produz cultura. Mas deve sempre prevalecer o bom senso.

*Antoine Kolokathis (antoine@direcaocultura.com.br) é um dos mais atuantes produtores culturais do país. É diretor-fundador da Direção Cultura (www.direcaocultura.com.br), produtora cultural de Campinas que em 10 anos de existência já produziu dezenas de grandes projetos culturais gratuitos, aprovados em lei de incentivo à cultura, sempre visando educação e formação de público.

retirado do site Clube Caiubi


MINHA OPINIÂO SOBRE ESSA COLOCAÇÃO:
Já publiquei vários textos com relação a esse tema no meu site, no meu blog... etc.
Sempre achei que a maior força que a contra-partida tem para o incentivador é a marca dele associada à um espetáculo de sucesso.
Quem vocês achariam que a Petrobrás (por exemplo de um dos maiores incentivadores do nosso país) escolheria numa decisão final de incentivo eu ou a Betânia (exemplo dado a partir de um dos artistas citados no texto acima)?
Concordo que a lei é para todos, mas não acredito que seja cumprida assim, nem na sugestão dada por nosso amigo acima.
Não concebo o Roberto Carlos vender ingressos no maracanã inteiro em menos de uma semana e ainda precisar de patrocínio.
Ainda discordo do que a Betânia falou sobre o nível dos espetáculos.
Amigos, a falta de dinheiro dela é muito diferente da minha...
Ela apenas teria que escolher um cenógrafo mais em conta, um iluminador não conhecido e uma roupa menos cara...
Essa não é a minha realidade e nem a de muitos companheiros da classe musical que conheço (e olhe que são muitos).
Enfim, é um assunto polêmico, mas fico feliz em poder ao menos abordá-lo.
Espero, do fundo do meu coração que a situação se reverta em benefício da maioria é o que espero nesses meus 22 anos de profissão.
E SEMPRE esperarei.

Agradeço a oportunidade da opinião.

Adryana BB
Cantora e compositora pernambucana independente